A Divina Comédia – O Inferno

Dentro da linha dos grandes clássicos, me arrisquei a ler uma das maiores poesias de todos os tempos. Nunca tinha lido poesia antes e estou simplesmente fascinado com o controle que Dante Alighieri possuia sobre a linguagem. Um poeta desse nível consegue construir imagens tão ou mais completas que a prosa, mesmo tendo que respeitar as métricas poéticas. O texto é perfeitamente rimado e a leitura possui um ritmo bastante particular.

Vou me deter um pouco no assunto da poesia em si, pois isso me remete a uma imagem que eu tenho na minha cabeça a anos e provavelmente já falei em algum post anterior. É algo que eu chamo de relação especificidade-possibilidades. Isso quer dizer que qualquer coisa ou ideia tem as suas possibilidades diminuídas ou aumentadas de maneira inversa a sua especificidade. Sei que está meio confuso, portanto vou usar a imagem que eu penso. É o exemplo da vaca.

Se alguém disser “quero comprar uma vaca marrom”. Esta vaca pode ser magra ou gorda, pode ser grande ou pequena, pode estar no Brasil ou na Europa, pode estar viva ou morta. Enfim, existem milhões de outras possibilidades para a composição dessa vaca. Já se alguém disser “quero uma vaca que esteja viva, gorda, bem grande, no estado do Rio de Janeiro, etc…as possibilidades de se imaginar essa vaca já diminuem drasticamente.

Eu considero que esse raciocínio pode ser aplicado a diversas situações como maneira de esclarecer o que está ocorrendo. Mas voltando, o que a vaca tem com a poesia?

Creio que a poesia por não suportar o uso desenfreado da palavra (como a prosa possui) consegue ter um grau de síntese incrível. Por isso, ela aguçar nossa imaginação deixando a criação do mundo em nossas mãos, porém dando um pouco do cenário com palavras precisas e imprecisas, palavras cheias de significado e com significado nenhum, densas e leves. Na poesia de Dante, nada fica totalmente incompleto, nem totalmente incompleto, assim nunca se esgota.

Naturalmente, falei isso tudo por estar um pouco deslumbrado com esse novo horizonte aberto, mas não posso deixar de falar mais precisamente do conteúdo do livro. Basicamente, o livro é a viagem de Dante ao Inferno, guiado pelo poeta (já morto) Virgílio à pedido de sua amada (já morta) Beatriz. O início já é sensacional, pois começa com a imagem fortíssima de Dante em uma floresta escura, sem saída pela superfície, ou seja, só resta descer no inferno.

No que consegui captar do livro, existem 2 questões maiores:

1. A própria concepção do inferno com seus círculos onde em cada nível se pune um determinado simbolismo do tipo de pecado. Envolvendo toda a questão religiosa e o utilizado nas punições.

2. A poderosa metáfora do Inferno como sendo nós mesmos. Ou seja, dentro de cada um de nós existe um poço de pecados, de escuridão e de sofrimento que precisamos enfrentar antes de voltar a luz do dia. Muitas vezes, não temos saída pela superfície (fora de nós mesmo) e precisamos achar a solução olhando para o perigoso interior de nossas cabeças. Uma verdadeira viagem às profundezas da intimidade de um homem e, por essa razão, é eterna.

Os Irmãos Karamazovi

Depois de 3 anos lendo direto acho que estou entrando em outro nível de leitura. É extremamente chocante para alguém que, como eu, está acostumado com a literatura padronizada, rasteira e comercial de hoje, ler essa enorme obra de 1200 páginas.

Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção é incrível capacidade intelectual de Fiodor Dostoievski, o autor do livro. Nunca tinha lido nada assim. Cada personagem, cada cena e cada diálogo seriam o suficiente para fazer um livro inteiro. O nível de detalhamento da situação e dos personagens é simplesmente inacreditável, você quase consegue prever as ações e falas deles por ter ficado tão intimo de cada um deles. No ponto psicológico, este é um livro simplesmente único. Li em algum lugar que o próprio Freud considera um dos maiores livros já escritos.

Como acontece com os grandes livros, não tenho a mínima pretensão de fazer uma avaliação extensa. Até porque tenho certeza que não entendi quase nada, apenas o que estava gritando na minha cara, quando muito.

O personagem que mais me chamou a atenção é o irmão do meio, Ivan Karamazov. Tenho a impressão que Dostoievski projetou várias de suas ideias através dele. Em particular, acho que o artigo do “Grande Inquisidor” é genial! Para os curiosos: se trata de uma ficção na qual Jesus volta a terra no meio da inquisição espanhola e é preso. Daí, segue o diálogo Dele com o Grande Inquisidor. Não existe nada igual!

Em outro momento, me ocorreu que a capacidade de escrever um livro assim é realmente o que diferencia, em última instância, os homens das máquinas. Na mesma hora eu me lembrei do Versatil (acho que é esse o nome), a máquina que fazia músicas automaticamente no livro de Orwell, 1984. Sem dúvidas, a máquina tem a métrica mais perfeita e correta possível. Provavelmente, as músicas são equilibradas e agradáveis. No entanto, nada disso é humano. E nada disso vai substituir o olho humano, que vê além da carne e além do real. Só uma pessoa como Dostoiesvki consegue captar a vida e as pessoas em todos os seus detalhes!

Mais ou menos na mesma linha, me parece que este tipo de livro prova que os seres humanos tem alguma esperança. Prova que apesar de todas as evidências contrárias nós podemos nos relacionar uns com os outros, nos conectar uns com os outros e, quem sabe algum dia, trabalharmos todos juntos para algo comum e torne a vida melhor (o que quer que isso signifique!). Digo isso, pois é simplesmente fascinante que um livro escrito por um russo no início do século passado, consiga influenciar a vida de um brasileiro de 24 anos. Claro que isso serve para muitas outras obras, mas essa me chamou a atenção por ser um grande retrato da sociedade russa e que ainda é MUITO real e provavelmente continuará sendo. No fundo, somos realmente todos farinha do mesmo saco.

Curiosidade: Os sobrenomes na Rússia flexionam em gênero e grau. Por exemplo, o Ivan é Karamazov. Os irmãos são Karamazovi. E se fosse feminino seria Karamazova. Essa vai para o guia dos curiosos!